Para magistrada a maioria dos 344 presos com saída temporária são "Anjinhos"




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Juíza Ana Maria Almeida Vieira, da 1ª Vara de Execuções Penais
Juíza Ana Maria Almeida Vieira, da 1ª Vara de Execuções Penais (Foto: Biné Moraes)

Na próxima quarta-feira, 23, um total de 344 presos deixará o Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, para passar o Natal junto com a sua família, e devem retornar para os presídios somente no dia 29. A saída temporária dos internos é alvo de muitas críticas da população que não concorda com esse método. No entanto, de acordo com a juíza Ana Maria Almeida Vieira, titular da 1ª Vara de Execuções Penais (1ª VEP), a saída é um direito que assiste aos detentos que cumprem a pena no regime semiaberto.
O Estado conversou com a juíza que pontuou, entre outras coisas, que a saída temporária é dada com objetivo de ressocializar o detento, não cabendo ao Poder Judiciário a mudança da legislação que determina essa saída. A magistrada disse ainda que as críticas das pessoas sobre o benefício devem-se principalmente ao desconhecimento da população sobre as normas presentes na Lei de Execuções Penais, que prevê a saída dos presos do regime semiaberto em épocas específicas do ano.
O Estado: Qual o objetivo da saída temporária dos presos?
O objetivo da saída temporária é fazer com que haja a ressocialização do preso. Nessa saída eles têm a oportunidade de ter um contato direto com a família, que é uma forma de eles se ressocializarem e mostrar responsabilidade, pois eles saem sem escolta e sem nenhum tipo de vigilância e devem retornar ao estabelecimento penal na data e no horário determinados.
O Estado: Em quais épocas acontecem as saídas temporárias?
São cinco saídas por ano. Na Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais, Dias das Crianças e no Natal.
O Estado: Os presos são beneficiados no Dia das Mães, Dia dos Pais e no Dia das Crianças, no entanto, muitas vezes eles não têm mães, pais ou filhos. Então por que eles saem nessas épocas?
A saída não está relacionada com a data em si, mas com a oportunidade do preso ter o contato com a sua família. Os presos que estão no regime semiaberto e de bom comportamento têm o direito à saída temporária.
O Estado: Como se pode fiscalizar se o preso beneficiado com a saída temporária está cumprindo as determinações impostas pela Justiça?
Isso nós não temos como fiscalizar. Os requisitos ele (o preso) cumpriu para ter direito ao benefício. Se você tivesse um determinado direito e alguém não lhe desse, você ira “correr atrás”. A saída temporária é um direito previsto em lei e não tem o que se questionar.
O Estado: O que muito se observa é que esses presos, quando saem da penitenciária, acabam assassinados ou cometem outro crime, contribuindo para aumentar o índice de criminalidade. Como a senhora avalia essa situação?
Não há comprovação estatística de que haja aumento de crimes durante a saída temporária. Nunca alguém me trouxe esses dados porque de fato eles não existem. No caso das mortes, elas podem estar relacionadas com a questão de facções no sistema penitenciário. Há casos em que eles são recapturados cometendo crimes, mas não é a maioria.
O Estado: Nesse ponto, não se pode dizer que houve uma falha, já que o objetivo da saída temporária é a ressocialização e o preso quando sai acaba cometendo um novo delito?
Eu não entendo como uma falha, pois não há como controlar a índole do ser humano. Eu também não vejo como uma falha, pois temos que partir do princípio que a saída temporária é um direito deles e eles preencheram os requisitos. E também, o preso pode sofrer as penalidades, com a regressão do regime ou a suspensão do benefício. As penalidades também estão previstas na lei.
O Estado: A saída temporária dos presos sempre foi alvo de muitas críticas da população. Não seria o caso de proporcionar outra forma de ressocialização para os presos?
Esse benefício é previsto na lei desde o ano de 1984, na Lei nº 7.210, que é a de Execuções Penais. Se for ver pelo aspecto da ressocialização e do cumprimento da pena, ela é um benefício extremamente favorável. Eu concordo com a sua manutenção. Agora, se surgir uma lei revogando essa e tirar esse direito deles (dos presos), nós acabamos, mas isso não é uma questão do Poder Judiciário. Nós apenas obedecemos aos critérios que estão estabelecidos na Lei de Execução Penal.
O Estado: Como a senhora avalia as críticas de muitas pessoas que não concordam com a saída temporária dos presos?
: Eu avalio que seja um desconhecimento da própria lei porque até essas pessoas que fazem críticas, se tivessem um filho, um pai, um marido ou um irmão preso, elas iriam entender o porquê desse benefício. As pessoas encarceradas hoje em Pedrinhas não são todas iguais. No universo que existe hoje em Pedrinhas não temos apenas bandidos perigosíssimos. Nós temos muitas pessoas lá dentro com o intuito de pagar o que devem com a sociedade e de retornar para a sociedade. Por isso a importância das saídas temporárias no regime semiaberto. O preso do regime fechado não sai.
Correlata: 191 beneficiados não retornaram nas quatro saídas deste ano
Até o momento, 191 detentos, beneficiados em quatro saídas temporárias deste ano, e que não se apresentaram no prazo estabelecido são considerados foragidos e estão com ordem de prisão decretada. Na última saída temporária, Dia das Crianças, ocorrida em outubro, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Sejap) informou que dos 337 detentos beneficiados, 321 saíram efetivamente, já que 16 foram impedidos por haver novas ordens de prisões judiciais.
A Sejap informou que do total de internos que saíram, 275 retornaram às suas respectivas unidades prisionais, e 46 apenados, portanto, não cumpriram o prazo de retorno, previsto até às 18h do dia 15 de outubro, determinado pela juíza Ana Maria Almeida Vieira, por meio da portaria 026/2015, que prevê pena de regressão de regime caso descumprida.
A Penitenciária de Pedrinhas foi à unidade prisional em que mais teve o registro de evasão de internos. Dos 156 beneficiados, 28 não retornaram na data certa. Já os 88 que deixaram o Centro de Triagem de Pedrinhas, a Penitenciária Feminina, a delegacia de Paço do Lumiar e a Unidade de Ressocialização do Monte Castelo, voltaram todos.
Frase
“Os presos que estão no regime semiaberto e de bom comportamento têm o direito à saída temporária. Nós apenas obedecemos aos critérios que estão estabelecidos na Lei de Execução Penal”
Ana Maria Almeida Vieira, juísa titular da 1ª Vara de Execuções Penais.
Mais
Diferença entre temporária e indulto
Existe uma diferença entre as saídas temporária e os indultos. A primeira está diretamente ligada com a Lei de Execuções Penais e nos princípios nela estabelecidos. O benefício visa a ressocialização de presos, por meio do convívio familiar e da atribuição de mecanismos de recompensas e de aferição do senso de responsabilidade e disciplina do reeducando.
É concedido apenas aos que, entre outros requisitos, cumprem pena em regime semiaberto (penúltimo estágio de cumprimento da pena) com autorização para saídas temporárias e aos que têm trabalho externo implementado ou deferido, sendo que neste caso é preciso que já tenham usufruído de pelo menos uma saída especial nos últimos 12 meses.
Já o indulto significa o perdão da pena, com sua consequente extinção, tendo em vista o cumprimento de alguns requisitos. É regulado por Decreto do Presidente da República com base na Constituição Federal. O Decreto Presidencial estabelece ainda as condições para a concessão do indulto, apontando os presos que podem e os que não podem ser contemplados.
Normalmente, o benefício é destinado aos detentos que cumprem requisitos como ter bom comportamento, estar preso há um determinado tempo, ser paraplégico, tetraplégico, portador de cegueira completa, ser mãe de filhos menores de 14 anos e ter cumprido pelo menos dois quintos da pena em regime fechado ou semiaberto.
Deve manter ainda o bom comportamento no cumprimento da pena e não responder a processo por outro crime praticado com violência ou grave ameaça contra a pessoa. Não podem ser beneficiados os condenados que cumprem pena pelos crimes de tortura, terrorismo, tráfico de entorpecentes e os condenados por crimes hediondos.
O que diz a legislação (Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984 - Lei de Execuções Penais)
Artigo122: Os condenados que cumprem pena em regime semiaberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:
I - visita à família;
II - frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;
III - participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social;
Parágrafo único. A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução. (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010).
Artigo 123: A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá da satisfação dos seguintes requisitos:
I - comportamento adequado;
II - cumprimento mínimo de um sexto da pena, se o condenado for primário, e um quarto, se reincidente;
III - compatibilidade do benefício com os objetivos da pena;
Artigo 124: A autorização será concedida por prazo não superior a sete dias, podendo ser renovada por mais quatro vezes durante o ano.
§ 1o Ao conceder a saída temporária, o juiz imporá ao beneficiário as seguintes condições, entre outras que entender compatíveis com as circunstâncias do caso e a situação pessoal do condenado: (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010);
I - fornecimento do endereço onde reside a família a ser visitada ou onde poderá ser encontrado durante o gozo do benefício; (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010);
II - recolhimento à residência visitada, no período noturno. (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010);
2III - proibição de frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos congêneres. (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010);
§ 2o Quando se tratar de frequência a curso profissionalizante, de instrução de ensino médio ou superior, o tempo de saída será o necessário para o cumprimento das atividades discentes. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 12.258, de 2010);
§ 3o Nos demais casos, as autorizações de saída somente poderão ser concedidas com prazo mínimo de 45 dias de intervalo entre uma e outra. (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010);
Artigo 125. O benefício será automaticamente revogado quando o condenado praticar fato definido como crime doloso, for punido por falta grave, desatender as condições impostas na autorização ou revelar baixo grau de aproveitamento do curso.
Parágrafo único. A recuperação do direito à saída temporária dependerá da absolvição no processo penal, do cancelamento da punição disciplinar ou da demonstração do merecimento do condenado.

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